janeiro 26, 2012

Apúlia e Pane "tipo" di Altamura

*Receita no final do post.


Curiosamente, a Apúlia – terra solar, síntese quase perfeita do Mediterrâneo -, é repleta de enigmas. As míticas origens das suas populações; os monumentos e as fabulosas construções de pedra espalhadas pelo campo (solmen, pietrefitte, menhir, Trulli, specchie); os rios que desaparecem abruptamente de baixo da terra. Grutas imensas e fantásticas; os afrescos subterrâneos das laure e das criptas rupestres, os castelos poligonais, simétricos como cristais de rocha. Os dialetos misturados de grego e de línguas arcaicas; as retas geométricas das estradas a perder de vista nas planícies abaixo de sol, como miragens, entre os labirintos de muretas branco-douradas, sem fim. O fascínio de um mistério claríssimo, inundado de luz da aurora sobre o mar do Oriente até o desaparecer do último raio abaixo do mar do Ocidente.

E um pouco de mistério ao que parece também na culinária: observando a terra apuliense, magra, arenosa, parece-nos apenas um mar de trigo, uma floresta de olivas, uma eternidade de vinhedos, dominados por poucas árvores próprias das paisagens pedregosas do Mediterrâneo, figos, amêndoas, alfarrobas e, onde a terra é ainda mais escassa, somente cabras. Mas atrás das muretas, em torno ao branco jogo geométrico dos Trulli, sobre a terra de pedra e de sol, a Apúlia esconde uma das mais ricas agriculturas da Itália: não somente o melhor trigo e as maiores colheitas de óleo de oliva e de vinho, mas também uma enorme quantidade de primícias, legumes, frutos de todos os tipos; e onde não há culturas, ervas e bagas espontânea, das quais as carnes de cordeiro e de porco pegam sabor.

Acrescente 762 km de costa marinha, límpida, cheia de anfractuosidades habitadas por peixes. E neste ponto começamos a entender os porquês da saborosa culinária apuliense, o porquê do seu tom forte. Tudo em espeto, em grelha, em panela para fritar e em formas de terracota; a espontaneidade do seu cheiro de campo, de interior. Do seu perfume de mar sobre as costas. E, com a paciência de muitos exegetas das culinárias italianas, também a sua grande originalidade (somente em parte influenciada por antigos costumes gregos, árabes, napolitanos) e a variedade de pratos de vilarejo para vilarejo, que ao longo do caminho desde Gargano e de Foggia, descem para Bari, Brindisi, Taranto, Lecce.

A singularidade das verduras servidas geralmente como entrada, segundo a antiga sabedoria dietética: tenras chicórias, almeirões ácidos ou com alho, aspargos, pequenas ervas-doces silvestres, cardoncelli, alcachofras, lampasciuni (amargas cebolas silvestres) fervidas, fritas, na brasa; a mitológica e saborosa capriata (purê de fava com chicória ou lampasciuni e óleo de oliva); as grandes saladas de rúcula, de mostarda, de alho e anchovas; a criatividade livre das formas recheadas de camadas de verduras, batatas, peixes; os pimentões e as abobrinhas recheadas, com profusão de alho, cebola, pimenta, alcaparras, orégano, menta, alecrim e azeitonas. Sempre muita azeitona na Apúlia, brancas, pretas, no óleo, em conserva, com muitos aromas diferentes.

A originalidade absoluta das massas (excelentes, de grano duro) seja pelas inúmeras formas exclusivamente apuliense, com os nomes quase impronunciáveis, seja pelos modos de preparo, geralmente a base de verdura e legumes (sobretudo rúcula, chicória, nabo, berinjelas, aspargos) às vezes com molho de cordeiro, ou com lulas, com camarões, com lagosta, com ciambotto de peixes: orecchiette, chiancarelle, cavatieddi, stacchiodde, trùchele, cicatille, strascenare, lagane, laianedde, fusilli, filatilli, tria, megnuìcchie... A lista continua e se perde nas outras especialidades de farinha e água, fritas ou assadas no forno: os panzerotti recheados de queijos e verduras, os calzones recheados, as pizzas e as tortas rústicas, a pùddica e as outras focacce temperadas segundo os costumes locais, a puccia com azeitonas, as popizze com ricota e anchovas. E o pão, geralmente de forma gigantesca e assados em forno à lenha, está entre o melhor da Itália.

Para as carnes, recomendamos o cordeiro e o cabrito de todas as maneiras, com particular atenção para as especialidades dos pastores (cutturieddo, caldariello, Turcinelli), mas também as braciolette de carne bovina recheadas de queijo, os tordos in zulze (denso molho de vinho) e os embutidos, as lingüiças delicadas ou apimentadas, os salames com aromas vegetais, os capocolli, os presuntos magros. Peixe, para deliciar-se: polpetti em molhos, pequenos peixes marinados à scapece, anchovas arraganate (em assadeira, com muito orégano), a nobre sopa à gallipolina, as ostras e os mexilhões de Taranto, as lagostas do Jônio e das ilhas Tremiti, as salmonetes gigantes em papelote, os linguados gratinados e os besugos allo squero (no espeto, sobre fogo aromático de ervas) ou no forno com vinagre e azeitonas.

Muito procurados os queijos (scamorze, burrate, manteche, provole, pecorinio, ricottlle, ricotta forte, cacio-ricotta para ralar). Inumeráveis os doces tradicionais, cada lugar com os seus, com nomes cheios de criatividade; maravilhosas frutas, de várias espécies, dos melões zuccherini aos pêssegos, das melhores uvas de mesa até os figos aromatizados e assados no forno.

Dos famosos vinhos apulienses – todos de alta graduação alcoólica, em grande parte exportados para reforçar os vinhos mais fracos de outras regiões – recordamos que quase todas as localidades produzem tintos, roses e brancos dignos de máxima consideração. Sobressaem-se os de San Severo, de Castel del Monte, do Salento; os tintos Primativo, de Conversano, de Torre Alberollo, Locorotondo, Marina Franca, Ostuni. Para sobremesa, Moscato de Trani e do Salento, Aleatico, San Severo Spumante. Elixir e digestivos amargos a base de ervas, de nozes, de amêndoas, de anis.


Pane di Altamura - Pão de Altamura

Aqui uma adaptação (forçada!) do pão de Altamura. Pão que recebeu em 2003 o DOP, Denominação de Origem Protegida, ou seja, só em Altamura você encontra o autêntico. Qualquer tentativa fora dessa comuna pode ser intitulada "tipo". E, o meu pão então, é tipo de Altamura.

Decidi fazê-lo porque sou metida mesmo (e porque não consegui pensar em outra receita senão ele para ilustrar a região), pois para assá-lo tem que ser em forno à lenha. Foi aí que me dei conta que preciso de um forno de barro. E foi aí que tive uma ideia: ter um forno de barro, mas como moro em apartamento... suplico publicamente:

Pai e Mãe,

Deixem eu ter um forno de barro na casa de vocês? Por favor, por favor. 
Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas a educação que vocês me deram foi tão boa que cá estou eu, apenas querendo fazer pão. A multiplicação do pão! Por favor, por favor. Juro que não peço nada de Natal, nem de Páscoa, nem de Dia das Crianças (!)... Só de aniversário, tipo, lenha. Por favor, por favor.

Pronto, chantagem feita. Vamos à receita:

Ingredientes

600 gramas de farinha de grano duro - Essencial que seja de grano duro
400 ml de água 
12 gramas de fermento biológico fresco
15 gramas de sal fino.

Em uma tigela dissolva o fermento em 50ml de água e acrescente um bom punhado da farinha. Misture delicadamente, cubra com um pano, e deixe descansar por 1h. 

Coloque a farinha sobre a superfície de trabalho, faça um buraco no centro, acrescente o fermento levitado e vá acrescentando aos pouco a água. Misture incorporando a farinha em movimentos circulares, até formar uma massa bastante mole. Passe farinha nas mãos e comece a sovar. Trabalhe bastante o glúten sovando bem. Depois de 10 minutos de sova, acrescente o sal. Sove mais 20 minutos. Coloque a massa em um tigela, cubra com um pano e deixe descansar por 3h em lugar protegido de vento.

Retire a massa do recipiente e coloque na superfície de trabalho polvilhada de farinha. Sove para retirar o ar, faça o formato escolhido (olhe o vídeo que indico abaixo) e asse em forno pré aquecido a 200ºC por 40 minutos. 



Achei esse vídeo quando estava pesquisando a receita do pão e suas variações. É um trabalho super interessante que conta todas as particularidades do pão de Altamura: sua história, seus caprichos, suas formas. É em italiano mas, se você abstrair esse detalhe, garanto que não vai se arrepender. 


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6 comentários:

  1. Guria, suplicando assim em público você encosta seus pais na parede: não vão poder dizer não! Rs. Transformar a casa dos pais em filial da sua cozinha...ideias, ideias! Hehe. Nem preciso dizer que o pão ficou lindo. Os seus são ótimos, todos, mas esse ficou especialmente caprichado :-) Altamura me ganhou com os figos assados. Beijos!
    PS: já que você falou em peixe, qual a origem do aliche, que meu marido tanto odeia?

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  2. hahaha Carla...ri muito com seu pedido, ou melhor, chantagem com seus pais! Acho que depois desta vc terá seu forno de barro heim?! Já estou imaginando as delícias que vem de lá.
    Esse pão ficou lindo!
    Tô doidinha para fazer um pão, mas tbém não tenho forno de barro...mimimimi...rs
    Vou ver o vídeo agora.
    Bjokas
    Tania

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  3. O pão ficou lindo e com aparência deliciosa.
    Agora Carla fazer chantagem com pai e mãe não vale.
    Bjo

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  4. Carla, adorei seu texto, principalmente a parte "E um pouco de mistério (...) somente cabras." Achei divino!

    Ri demais com sua chantagem emocional com seus pais. Se fosse comigo eu já tinha cedido! hehe

    Beijos, bom final de semana!

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  5. Fantástica descrição da região...me vi nas terras apuglienses, que não são as mais ricas, nem as mais belas, mas a proximidade do mar me encanta, e me enche de saudade...

    O pão? não sei como você consegue a façanha de assar um pão tão perfeito em forno de apartamento! Estou aqui "embasbacada"!!!!

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  6. Carla,

    Estava pesquisando sobre o pão de Altamura e achei seu texto (fantástico, parabéns!), o motivo de minha pesquisa é que trabalho com produtos italianos, entre eles, as farinhas italianas do MOLINO CAPUTO,que entre seus ítens possui a farinha de MANITOBA, que pelo que apurei, é a indicada para esta receita, voce tem como me confirmar isto?

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